Adaptados ao ambiente urbano, escorpiões se proliferam e picam
cada vez mais.
Eles são pequenos, entre 10 e 12 cm, discretos, noturnos e
tímidos, preferindo se esconder em lugares escuros e úmidos, como pilhas de
entulhos, frestas em casas, roupas e calçados.
Mas quem pisar neles terá uma experiência muito dolorosa e
desagradável.
Os escorpiões são aracnídeos, que compreendem cerca de 2 mil
espécies no mundo e 130 no Brasil, das quais apenas quatro são responsáveis
pela maior parte dos ataques a humanos no país - que não são poucos e vêm
crescendo.
Segundo o Ministério da Saúde, entre 2000 e 2016 o número de
vítimas de picadas desses animais cresceu 628,8%, passando de 12.552 para 91.485.
O aumento do número de mortes foi maior ainda, 853,8%, saltando
de 13 para 124, geralmente crianças ou idosos, no mesmo período.
Número de mortes por picadas de escorpiões saltou de 13 para 124
de 2000 a 2016, segundo Ministério da Saúde
A quase totalidade desses acidentes é causada pelas quatro
espécies mais conhecidas: escorpião-amarelo (Tityus serrulatus),
escorpião-amarelo-do-nordeste ou escorpião-do-nordeste (Tityus stigmurus),
escorpião-preto (Tityus bahiensis) e escorpião-grande (Tityus obscurus).
Segundo a bióloga Denise Candido, do Laboratório de Artrópodes
do Instituto Butantan, entre e 80% e 90% das picadas registradas no Brasil são
das duas primeiras dessas quatro espécies.
CAUSAS DO AUMENTO
As causas para o aumento do número de acidades envolvendo
escorpiões são bem conhecidas.
"Isso certamente está relacionado ao crescimento
populacional desse artrópode, que se adaptou muito bem ao ambiente urbano, onde
encontra abrigo, alimento, e pouco inimigos naturais", explica o biólogo
Antonio Carlos Lofego, do Departamento de Zoologia e Botânica da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) em São José do Rio Preto.
Denise diz que esse aumento do número de escorpiões e,
consequentemente, dos acidentes, se deve ao crescimento urbano desordenado, com
as cidades se expandindo a custa de desmatamentos.
"Esses animais estão onde sempre estiveram, onde eles
ocorrem naturalmente", explica. "Além de abrigo, eles encontram no
nosso lixo muitas baratas, que são suas presas.
Nessas condições, eles podem se reproduzir com muita
facilidade."
ESTRAÇÃO DO VENENO
Butantan destaca que esse é um processo realizado por um
profissional e que as pessoas não devem manusear estes animais
REPRODUZEM SEM ACASALAMENTO
Além disso, o escorpião-amarelo e escorpião-amarelo-do-nordeste
têm como característica peculiar a reprodução por partenogênese, ou seja, sem
machos, sem a necessidade de que os óvulos das fêmeas seja fecundados pelo
esperma de um indivíduo do sexo masculino.
"Isso aumenta muito a capacidade de crescimento
populacional, pois cerca de 90% dos
indivíduos de uma população são fêmeas,
com capacidade para produzir descendentes", diz Denise Candido.
Veneno
De acordo com ela, os escorpiões são animais de hábitos noturnos,
que procuram esconderijos durante o dia.
Nas cidades, pode ser, por exemplo, sob um pano úmido, dentro de
um calçado, embaixo ou atrás de uma estante ou numa fresta.
"A pessoa não vê o animal e acaba tocando-o com a mão ou
pisando nele", diz. "Para se defender, ele pica."
Ao fazer isso, ele injeta na vítima um veneno neurotóxico, que
age no sistema nervoso e provoca sempre muita dor, a princípio no local da
picada, e que, na sequência, vai se espalhando para todo corpo.
"Em muitas pessoas, geralmente adultas, esse pode ser o
único sintoma", informa Lofego. "Mas o quadro pode evoluir para
complicações maiores."
Na verdade, diz Lofego, os sintomas dos pacientes pode ser
dividido em três categorias: leve (dor local suportável, queimação,
formigamento), moderado (dor muito forte, náuseas, vômitos às vezes, respiração
acelerada, taquicardia, salivação e sudorese), e grave (sintomas mais intensos,
prostração, convulsão, coma, insuficiência cardíaca, edema pulmonar).
Segundo Lofego, a evolução para um quadro mais grave pode ser
muito rápida - algo como uma ou duas horas.
"Por isso, o atendimento imediato é fundamental,
principalmente para crianças, que são as vítimas que geralmente apresentam o
terceiro quadro de sintomas (grave) e podem morrer", alerta.
"Não ocorrendo a morte, normalmente a vítima se recupera
sem sequelas."
Prevenção
Para evitar contato com escorpiões e o consequente risco de
picadas, o recomendável é manter esses animais longe das residências.
"Para isso, deve-se evitar o acúmulo de lixo e mantê-lo bem
armazenado e fechado, além de vedar ralos, frestas, soleiras de portas, afastar
as camas das paredes e evitar que cobertas, lençóis e colchas encostem no chão,
porque eles podem subir por elas", avisa Candido.
Depois que ocorre a picada, a solução é o soro contra o veneno,
que neutraliza sua ação.
Um dos centros de pesquisa que produz esse medicamento no Brasil
é o Instituto Butantan, que possui um viveiro com cerca de 10 mil escorpiões.
Além disso, a instituição realiza pesquisas, com o objetivo de
aumentar o conhecimento sobre a peçonha desses animais, para entender melhor
seus efeitos no organismo humano.
Há ainda outras linhas de pesquisa no país, que buscam
desenvolver novos medicamentos a partir do veneno dos escorpiões.
"Como ele é muito complexo em sua composição e apresenta
ação biológica bastante variada e intensa sobre o corpo humano, tornou-se
objeto de vários estudos de biotecnologia no Brasil e em outros países do
mundo", conta o biólogo Claudio Maurício Vieira de Souza, da Divisão de
Artrópodes do Instituto Vital Brazil, no Rio de Janeiro, no qual também são
realizados estudos sobre esses animais.
Há inciativas, segundo ele, para desenvolver medicamentos
imunomoduladores (que modificam a resposta do sistema imunológico e são usados,
por exemplo, em pessoas que tiveram órgãos transplantados), de combate à
hipertensão, de tratamento de tumores, antimicrobianos e produtos inseticidas,
entre outros.
'Mutirões sem nenhum preparo'
Mas há algo mais urgente do que o desenvolvimento de novas
drogas. "Tendo em vista a gravidade da situação, e com a perspectiva de
que possa aumentar ainda mais a incidência de acidentes, as autoridade devem se
mobilizar para desenvolver planos de ação, visando o controle desses animais
com base em informações técnicas e pesquisas", recomenda Lofego.
"Ainda falta muito estudo para entender melhor esse
fenômeno, que é recente."
Ele conta que tem visto muitas ações extremamente amadoras em
relação ao combate ao escorpião.
"Muitas vezes, são mutirões de pessoas sem nenhum preparo,
procurando pelo animal desordenadamente, depois de alguns acidentes mais
graves", critica.
"Tudo é feito sem um plano estratégico, que inclua ações
escalonadas de curto, médio e longo prazo, envolvendo as comunidades e
campanhas educativas."
Lofego revela que na sua própria região, de São José do Rio
Preto, a cerca de 450 km de São Paulo, por exemplo, a incidência de picadas é
altíssima.
"Mesmo assim, nós aqui da Unesp nunca fomos procurados
pelos representantes públicos competentes para colaborar em um plano de
controle desses aracnídeos", reclama.
"Aliás, até sinalizamos com uma intenção de colaboração e
não recebemos nenhum retorno."
Evanildo da
Silveira
De São Paulo
para a BBC Brasil





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