De obesidade a AVC, os
problemas de saúde relacionados a noites mal dormidas.
Noites
mal dormidas aumentam as chances de hipertensão e problemas cardiovasculares,
de acordo com médicos
O corpo humano emprega há milhares de anos um
conjunto fixo de programações fisiológicas necessárias para o seu bom
funcionamento.
Uma das programações básicas é o adormecer quando a
noite cai e o acordar quando o sol se levanta, período em que o indivíduo é
restaurado para um novo dia.
Noites mal dormidas, contudo, causam um choque
nessa programação natural e podem provocar uma série de problemas de saúde, que
vão da depressão ao aumento de risco de acidente vascular cerebral (AVC).
"O sono é uma função fundamental para a nossa
fisiologia - seria o equivalente ao alimento para o nosso cérebro",
explica Geraldo Lorenzi Filho, diretor do Laboratório do Sono do Incor
(Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas, em São Paulo, que estuda a
correlação entre distúrbios do sono e doenças cardiovasculares.
"É o momento de descanso para o sistema
vascular, da faxina dos neurônios. O sono é a restauração da atividade neural
adequada, importante para fixação da memória.
Sabemos
que dormir é fundamental. Mas estamos nos esquecendo disso", alerta.
Dados do último Estudo Epidemiológico do Sono da
Cidade de São Paulo mostram que um terço da população da capital paulista sofre
de insônia. Um novo estudo - Episono -, realizado pela Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp) em parceria com o Instituto do Sono, será conduzido em 2018
para atualizar os dados.
Um
dos fatores externos que atrapalham a qualidade do sono é o uso de celular
antes de dormir.
De acordo com Gabriel Natan Pires, biomédico e
coordenador do Projeto Episono, o padrão do sono vem se modificando ao longo
das últimas décadas - e para pior.
"Dados americanos mostram que, ao cabo de seis
décadas, o tempo médio de sono foi reduzido em duas horas por noite. Mas
privação do sono pode gerar sérios problemas, incluindo deficit de atenção,
ansiedade, impulsividade e agressividade", explica.
Os vilões que atrapalham o sono
Dormir menos que o necessário, assim como dormir em
horários irregulares ou trocar o dia pela noite, pode desencadear uma série de
doenças.
A recomendação mais recente da National Sleep
Foundation (NSF), dos Estados Unidos, divulgada em 2015, é de sete a nove horas
de sono para pessoas de 18 a 64 anos.
De acordo com Lorenzi Filho, noites mal dormidas e
irregulares não apenas geram mais cansaço e sonolência no dia seguinte.
"Quem dorme menos de cinco horas, em média, tem mais problemas de
hipertensão, maior risco de infarto do miocárdio e de acidente vascular
cerebral (AVC)", diz a fundação.
A falta de uma rotina, com hora de dormir e de
acordar todos os dias, inclusive aos finais de semana, é um dos principais
vilões.
A ingestão de alimentos pesados poucas horas antes
de dormir, assim como a de bebidas estimulantes, como o café, podem dificultar
o adormecer e impactar a qualidade do sono durante a noite.
"A alimentação tanto proteica quanto cheia de
carboidratos não é desejável porque demanda um processo digestivo longo e
penoso.
O recomendado é que qualquer um dos grupos seja
consumido pelo menos duas horas antes de dormir. Idealmente, quatro horas
antes, se possível", diz Daniel de Souza e Silva, pesquisador em
neurofisiologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
"Em alguns
casos, é recomendado não ingerir café depois das 14h."
Hábitos como manter televisores no quarto, checar o
celular antes de dormir e até mesmo manter o ar-condicionado em temperaturas
muito baixas podem prejudicar a qualidade do sono, diz Souza e Silva.
"É preciso convencer a população de que a cama
foi feita para dormir. Existe uma associação entre esses hábitos e a
dificuldade de adormecer", afirma.
Distúrbios do sono
A qualidade do sono também pode ser afetada por
diferentes distúrbios. Entre as principais patologias, está a apneia obstrutiva
do sono. Sua manifestação mais marcante é o ronco.
Esse distúrbio gera pequenas paradas respiratórias
durante a noite, que provocam situações de "microacordar" e resultam
em um sono fragmentado. De acordo com Pires, podem ocorrer até 30 pequenas
paradas respiratórias por hora em pessoas que sofrem do problema.
Levantamento da Associação Brasileira de Medicina
do Sono, feita com base em um estudo da Unifesp e do Instituto do Sono de 2010,
projetou que 32,8% da população brasileira sofria com a síndrome em 2013.
O distúrbio piora com a obesidade, a idade avançada
e o sedentarismo.
"A apneia obstrutiva do sono tem influência
sobre os sistemas cardiovascular, neurológico e imunológico e acaba repercutindo
não só na qualidade de vida, mas na longevidade do indivíduo", afirma
Souza e Silva.
"Os indivíduos com essa patologia têm
repercussões cardiológicas muito sérias, além de perda de performance no dia
seguinte, como dificuldade de concentração, alteração de memória, cansaço e dor
de cabeça."
Outro distúrbio importante é a insônia. Pessoas que
tentam, mas não conseguem dormir, podem desenvolver quadros depressivos,
problemas de memória e fadiga crônica.
De acordo com Pires, do Projeto Episono, há três
padrões de insônia: aquele em que o indivíduo tem dificuldade em iniciar o
sono; aquele em que há problemas em manter o sono, quando a pessoa acorda no
meio da noite e tem dificuldade para voltar a dormir; e a insônia do despertar
precoce - quando a pessoa acorda muito cedo e não consegue pegar no sono
novamente.
Porém, dificuldades pontuais para dormir não são
classificadas como insônia, explica o biomédico.
"Para que haja diagnóstico clínico desse
distúrbio, ele precisa ocorrer pelo menos três vezes por semana, ao menos por
três meses seguidos. Dificuldades para dormir por uma noite não configuram um
quadro clínico de insônia", afirma.
Tratamento e soluções
Distúrbios do sono têm cura, afirmam especialistas.
No caso da insônia, Souza e Silva alerta para a importância de diagnosticar se
ela é causada por questões neurológicas ou por fatores externos. Medicações,
como os antidepressivos, podem alterar a arquitetura do sono e resultar em
noites mal dormidas.
Cuidar
do sono é uma questão de saúde pública, segundo especialista em distúrbios do
sono
"A dificuldade para dormir está relacionada a
diversos fatores - dificilmente a pessoa tem uma insônia primária, que seja a
doença em si. Às vezes a pessoa dorme mal por fatores externos, como um
problema respiratório", explica.
No caso dos que sofrem de apneia, os médicos
recomendam evitar bebidas alcoólicas e sedativos, que relaxam a musculatura.
Em alguns casos, é necessário utilizar próteses
orais e, nos pacientes com um quadro mais grave, adotar uma máscara ligada a um
compressor de ar - a CPAP, do inglês Continuous Positive Airway Pressure -, que
previne a obstrução da garganta durante o sono.
Para os que não sofrem de distúrbios, é importante
levar em consideração as horas recomendadas para cada faixa etária e buscar
garantir uma noite tranquila de sono.
Isso inclui evitar estímulos externos, como
dispositivos eletrônicos antes da hora de dormir e seguir a rotina de acordar e
se levantar no mesmo horário.
Souza e Filho lembra que, apesar de a rotina humana
hoje ser pautada pela tecnologia, o corpo humano continua tendo uma estrutura
fisiológica que segue processos estabelecidos há milhares de anos.
"Desde que surgiu a eletricidade, nossa
programação natural foi sendo amplamente subvertida. Progressivamente, vem
havendo uma redução expressiva nas horas de sono regular, o que desequilibra um
sistema que estava em estabilidade havia muito tempo."
Para ele, cuidar do sono é uma questão de saúde
pública. "Em qualquer cidade grande você vê as pessoas dormindo no
transporte público. É um indicador de forte privação do sono em grande parte da
população," afirma.
"Cuidar dos distúrbios do sono e de
comportamentos que alteram sua qualidade é reduzir gastos mais tarde com
diversos cuidados de saúde."
© Getty Images. © BBC Tabela. © BBC
Ilustração sobre sono. © Getty Images.
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