"Sociedade brasileira
cultua a violência"
Uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP), em conjunto com o Datafolha, mostrou que o medo da
violência é uma das principais razões para que o brasileiro tenha propensão a
posições autoritárias.
O estudo, divulgado na sexta-feira (06/10), também
apontou que o segmento mais rico da população é o que mais rejeita a ampliação
dos direitos humanos e civis no país.
Para o sociólogo Renato Sérgio de Lima,
diretor-presidente do FBSP, hoje há espaço no Brasil para posições políticas e
ideológicas que reforçam preconceitos, posições reacionárias e atitudes de
intolerância.
"A sociedade brasileira é extremamente
violenta, e infelizmente essa é uma característica que tem raízes
históricas", diz Lima, em entrevista à DW. "Somos uma sociedade que
cultua a violência, o individualismo exacerbado e não valoriza a vida."
DW
Brasil – Quais são as principais conclusões do estudo?
Renato
Sérgio de Lima
A pesquisa mostra que a sociedade brasileira é
extremamente violenta, e infelizmente essa é uma característica que tem raízes
históricas. É uma sociedade que entende que a forma de resolver os conflitos é
por meio de posturas autoritárias e de violência.
Ou seja, violência se resolve com mais violência.
No caso de apoio a posições autoritárias, o índice atingiu 8,1 numa escala de 0
a 10 – sendo 10 a mais alta propensão. Segundo a nossa pesquisa, as pessoas
mais propensas ao autoritarismo são as mais pobres, com menos escolaridade e
moradores da região Nordeste do país.
Outro destaque é que as pessoas mais ricas, que
ganham mais de dez salários mínimos, são aquelas que, proporcionalmente, mais
rejeitam a ideia de ampliação dos direitos humanos e civis, como por exemplo,
da população LGBT, das mulheres e dos negros.
Nesse caso, o índice atinge 7,83 numa escala de
zero a dez. Ou seja, temos uma combinação tóxica no Brasil onde, de um lado, a
população mais pobre tem maior propensão a posições autoritárias e, de outro, a
mais elitizada não quer aderir à agenda de direitos da nossa Constituição.
Qual
é o motivo para que a população brasileira seja mais propensa ao autoritarismo?
Vemos que o medo da violência tem dominado a
população adulta no país e, assim, essa questão assume um papel central no
contexto atual, em que vivemos uma profunda crise de legitimidade das
instituições democráticas.
Essa crise abre espaço para posições políticas e
ideológicas que reforçam preconceitos, posições reacionárias e atitudes de
intolerância e que podem levar a retrocessos dramáticos no que diz respeito a
políticas públicas, em especial as voltadas para a área de segurança pública.
Os resultados apontam para a urgência de o Brasil
rever a maneira como tem enfrentado a violência e pautado as políticas de
segurança pública. Quer dizer, o medo da violência é o maior motor para
posições polarizadas, porque a sociedade brasileira vive, na média,
amedrontada.
Ou interferimos na interdição moral e política da
violência como uma ferramenta de solução de conflitos ou estamos criando um
ambiente extremamente complexo, que abre margem para sectarismos e posições
perigosas para a democracia brasileira.
Por
que os brasileiros mais ricos apresentam uma maior tendência de ser contra a
agenda de direitos?
Geralmente, as pessoas associam direitos a
privilégios. Uma das perguntas foi se "a lei das domésticas interfere
indevidamente nas relações entre patrões e empregados". Muitos brasileiros
ricos pensam que, se a população tiver seus direitos ampliados, eles não terão
mais condições de pagar uma empregada doméstica todos os dias.
Então, associa-se ao risco que a mobilidade social
oferece aos privilégios que a classe média e os mais ricos conseguiram
construir ao longo dessa estrutura de desigualdade, de não direitos.
A população do Brasil, historicamente, é relegada
ao salve-se quem puder e, em meio a isso, a perspectiva de ampliação de
direitos assusta aqueles que, de algum modo, imaginam que conseguiram
mobilidade por mérito ou herança.
Somos
uma sociedade que cultua a violência,
o individualismo exacerbado e não valoriza a vida. Nosso futuro depende de
reconhecermos na vida o nosso valor máximo a ser preservado e garantido.
Como
você analisa este dado: o perfil médio do brasileiro que apoia posições
autoritárias é autodeclarado pardo, maior de 60 anos, da classe D/E, menos
escolarizado e morador de cidades de até 50 mil habitantes da região Nordeste.
É exatamente esse segmento da população brasileira
que tem, reiteradamente ao longo dos últimos séculos, sido vítima tanto da
violência como da violação de direitos.
E, com a crise econômica atual, esse segmento da
população está muito decepcionado com o Estado, com as políticas sociais e com
a não garantia da cidadania.
As respostas apontam um pedido de socorro das
classes mais pobres que nunca tiveram seus direitos assegurados, que tiveram
uma mobilidade a partir do crescimento econômico, mas, que agora, com a crise,
estão novamente sobre o risco do desemprego, da fome e da miséria.
E as formas culturais de solução de conflitos ainda
são muito permeadas pela violência.
Em comunidades menores – quando o cidadão tem menos
acesso à informação e é mais dependente de interações comunitárias cotidianas
–, elas tendem ser mais tradicionais e, infelizmente, no Brasil a tradição é
fazer uso da violência.
Qual
é o cenário caso não se atue frente à violência?
Se não interferirmos nesse processo, posições
salvacionistas – como, por exemplo, a plataforma política eleitoral de Jair Bolsonaro
– ganham força exatamente ao tentar propor uma solução para o problema. Porém,
a solução de Bolsonaro é eliminar os "inimigos”, que, portanto, seriam
aqueles que estão amedrontando a população.
Isso é muito perverso, porque, no momento em que a
população não reconhece direitos, ela vive amedrontada e aceita posições
autoritárias. Isso tem a ver com valores tradicionais, que, em associação com
medo, legitimam mais violência.
Estamos criando um ambiente em que o país está
flertando com uma realidade que nos anos 1940 era muito próxima, como o
nazismo, fascismo e ditaduras de direita ou esquerda.
O ideal de Justiça é substituído pela ideia de
vendeta e revanche contra todos aqueles que, em tese, são vistos como
responsáveis pelo atual quadro de insegurança e criminalidade que o país vive.
O
que as instituições podem fazer para diminuir a propensão ao autoritarismo da
população?
Primeiramente, o governo deve garantir os direitos
previstos pela Constituição de 1988, começando por garantir a vida. O Brasil
tem 60 mil homicídios todos os anos e 50 milhões de brasileiros adultos que
conhecem pessoas que foram assassinadas.
Se tivermos que fazer algo, é repensar as políticas
de segurança para garantir a vida.
O segundo é garantir que as pessoas possam ter a
liberdade de ir e vir, garantir sua identidade, autonomia, enfim, que a
sociedade brasileira possa ser uma sociedade plural, multicultural e onde as
diferenças sejam resolvidas numa instância confiável, ou seja, o Estado precisa
se tornar mais confiável e as polícias precisam se aproximar da população.
Precisamos investir em polícias mais confiáveis e
mais capazes de lidar com o problema, e não no padrão violento de enfrentamento
do criminoso. Temos que investir no esclarecimento dos crimes e punir seus responsáveis.
Como
o Estado está atuando na luta contra a violência e qual seria a melhor forma de
fazê-lo?
Na prática, a violência não está sendo interditada
moral ou politicamente. Ou seja, os partidos de esquerda reduzem a violência
como fruto da desigualdade, então frisam que é importante investir em redução
das causas sociais que a provocam.
Já os de direita, a violência é fruto do
narcotráfico e da maldade dos criminosos, então deve-se perseguir os criminosos
e eliminá-los.
Mas, na prática, não estamos enfrentando de frente
o problema da segurança pública, que é construir um Estado que garanta o
monopólio da força legítima, consiga administrar conflitos e fazer isso dentro
do Estado democrático de direito.
E um Estado que garanta a paz, e não o medo,
porque, no fundo, é isso que está provocando o medo na população.
FOTO: © picture-alliance/Photoshot
Moradores do ES aplaudem chegada de veículos do Exército durante crise de
segurança de fevereiro.
Foto Marlon Costa. Futura
Press/Folhapress.
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MSN.
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