Patricia Pillar comenta feminismo, assédio, eleições e Ciro
Gomes.
No ar em abril na supersérie ‘Onde nascem os fortes’, atriz diz
que político: (CIRO) 'nunca foi machista' em 17 anos de convivência.
RIO - Patricia Pillar entra na sala e pergunta:
— Posso
tirar o meu sapato?
Com a mesma simplicidade com que cruza os pés descalços sobre o
sofá na confortável cobertura onde mora, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio,
aquiesce quando a repórter comenta que ela parece feliz: (“Estou numa fase bem boa mesmo”,
admite).
Patricia tem se dividido nas últimas semanas entre o Rio e o
interior da Paraíba, onde grava a supersérie “Onde nascem os fortes”, com
estreia dia 23 de abril na Globo.
As externas em São João do Cariri e outras cidades próximas
propiciam um mergulho num universo que a emociona.
— O sertão
para mim é algo que não tem nada de estranho. Eu me sinto em casa, me sinto
bem. São essas pessoas que me comovem.
No jeito de viverem, como lidam uns com os outros, na
solidariedade. Minha avó materna era de Quixadá,
tenho o interior do Ceará no meu sangue. Me sinto de lá.
O sertão a
sensibiliza tanto que, ao contar sobre a chuva que viu jorrar abundante sobre a
região no início deste mês, lavando sete anos de seca, seus olhos espelham a
água próspera.
— Foi a coisa mais linda! Bonito de doer! Dias depois já estava
tudo verdinho! — conta a atriz, repetindo as palavras que acompanham vídeos e
fotos que tem postado no Instagram.
PRESENTE NO CASO MARIELLE
‘Ativa nas redes sociais, ela é seguida por 433 mil pessoas no
aplicativo; tem ainda 1,257 milhão de seguidores no Facebook e mais 44 mil no
Twitter.
Em todos esses canais, nos últimos dias, imagens e textos sobre
sua prazerosa vivência na série da TV se alternam com comentários sobre um
trauma coletivo: o assassinato, no dia 14 de março, da vereadora Marielle
Franco.
— Votei nela. E, vamos dar nomes aos bois, isso foi um atentado
contra a democracia. Foi para matar uma ideia, para matar a coragem. Quer
dizer, quis matar, porque milhões de Marielles se levantaram. E é de uma
violência... É preciso que esse crime seja esclarecido ou o Rio de Janeiro pode
virar o caos. Quando a gente perde a possibilidade de justiça, o próximo passo
é a barbárie.
O assassinato, segundo ela, leva a outro ponto fundamental no
país, hoje: o do “lugar de fala”.
— Sempre me senti uma
pessoa sensível para as questões das minorias. Defendo as questões do movimento
negro, das comunidade LGBT e etc....
Entendo que agora é hora de eles próprios falarem, e isso é muito importante.
Estamos todos surdos, ouvimos pouco, o outro quase nunca existe pra gente.
‘Convivi 17
anos com o Ciro Gomes e ele nunca foi machista’
- PATRICIA
PILLAR. Atriz.
Já em relação ao feminismo não há o que questionar. Ela fala com
propriedade. Aos 54 anos, feliz com o namoro de dois anos com Carlos Henrique
Schroder, diretor geral da Rede Globo, não tem dúvida de que toda mulher é
feminista.
— Pode não saber, e se não sabe é pura desinformação, ou má
informação. Porque na verdade é uma luta por direitos iguais. Não tem por que
uma mulher não ter as mesmas oportunidades que os homens.
“O CIRO NUNCA FOI MACHISTA”
O tema leva a um pergunta inevitável: como bateu para ela a
declaração de 2002 de Ciro Gomes, então seu marido e candidato a presidente da
República pela Frente Trabalhista, de que seu papel na campanha era dormir com
ele?
— Convivi 17 anos com ele e ele nunca foi machista. Naquela
campanha, ele era uma alternativa ao PT e ao PSDB, e estava super exposto,
apanhando dos dois lados. Todas as entrevistas dele em que eu estava presente
aparecia essa pergunta e sempre de forma provocativa. E, neste dia, já era a
terceira ou quarta. Ele já tinha respondido
que eu era sua companheira, que conversávamos sobre tudo, porque era isso
mesmo, compartilhávamos um projeto de Brasil. Mas aí perdeu a paciência e deu
aquela resposta infeliz — diz ela.
Patricia viu no episódio um sinal desses tempos de hipocrisia.
— Para uma pessoa que não se tornou cínica, é muito difícil
aguentar certas coisas. Só que as pessoas muitas vezes preferem os cínicos, os
“educados”, que dizem coisas incríveis, mas que fazem o oposto. Isso é
terrível. Ele me pediu desculpas, e eu compreendi imediatamente, pelo cansaço e
pelo esgotamento que vivi junto com ele.
E, hoje,
votaria em Ciro Gomes para presidente?
— Voto nele, claro. O panorama ainda está indefinido (Ciro é
pré-candidato pelo PDT), mas não há a menor chance de o meu voto não ser dele.
MUITOS 'NÃOS' PARA UM SAGRADO SIM
‘Onde nascem os fortes’ traz Patricia de volta à TV dois anos
depois de “Ligações perigosas”, minissérie exibida em janeiro de 2016 na Globo.
Requisitada por autores do núcleo de dramaturgia da emissora,
ela segue uma intuição quase passional na hora de escolher seus papéis:
— É como um enamoramento. Quando o projeto vem para mim, meu
corpo diz sim. Ou não. Porque digo muitos nãos para poder dizer um sagrado sim.
Há trinta e poucos anos é assim.
Ela disse sim para a supersérie de George Moura e Sérgio
Goldenberg, com direção de José Luiz Villamarim, tocada pela força da
personagem, a engenheira química Cássia, que volta à sua cidade natal, a
fictícia Sertão, depois que o filho desaparece.
— É muito
difícil para mim dissociar o trabalho da minha vida. Lá atrás, quando comecei a
fazer teatro (aos 15 anos, no Tablado), descobri essa turma e essas pessoas que
se interessavam pelas mesmas coisas. Descobri que eu podia desenvolver meu trabalho
e ao mesmo evoluir como pessoa. É como se o personagem fosse me dar uma carona
para algum lugar, abrir possibilidades, me enriquecer. Até hoje faço cinema e
TV como se estivesse fazendo teatro — diz ela.
‘Nunca tive um caso de assédio. Na minha geração, era comum
deixar as piadinhas pra lá.... hoje felizmente já não são mais aceitáveis’
- PATRICIA PILLAR. Atriz
No cinema, o público poderá vê-la em “Unicórnio”, de Eduardo
Nunes, inspirado em dois contos de Hilda Hilst, com estreia prevista para
julho.
Dos palcos, está afastada desde 2004, quando atuou em “A prova”,
dirigida por Aderbal Freire-Filho. Enquanto não surge um projeto que a atraia,
vai pegando carona em papéis de destaque na TV, como a Isabel de “Amores
roubados”, a Constância de “Lado a lado” (2012), a Angela de “O rebu” (2014), a
Isabel de “Ligações perigosas” (2016). E, agora, a Cássia de “Onde nascem os
fortes”.
— Pensamos na Patricia para o papel porque ela preenche os
silêncios com emoção — diz George Moura, que trabalhou pela primeira vez com a
atriz em “O rei do gado” (1996) em que era assistente de direção de Villamarim.
— Ela constrói a personagem como quem fura um poço artesiano:
vai vencendo as muitas camadas, até que a água vem. Várias vezes me emocionei
com as cenas que vi.
Numa época em que fervilham, no ramo do entretenimento,
denúncias de assédio sexual, Patrícia, provocada a falar do tema, olha para
trás e afirma: passou imune.
— Nunca tive um caso de assédio. Na minha geração, era comum
deixar as piadinhas pra lá.... hoje felizmente já não são mais aceitáveis.
Sempre fui muito topetuda, então pode ser que alguma coisa do meu jeito
tenha mantido as pessoas longe. Mas obviamente muitas vezes fingi que não ouvi.
Mas, na TV,
nunca rolou?
— Nunca —
responde com ênfase.
De um colega,
um diretor?
— Não, nunca mas muitas mulheres sofrem assédio todos os dias e
em todos os lugares. Isso tem que acabar — proclama, em tom ameaçador, o mesmo
que devia usar na escola municipal em que estudava, no Leblon, antes de sair no
braço em defesa dos primos menores, quando eram vítimas de alguma injustiça. —
Talvez esse meu jeito moleque tenha me preservado um pouco disso. Eu voltava
sempre da escola com o uniforme rasgado, o bolso descosturado, tinha uma coisa
de menino.
Patricia conta que quando começou a fazer teatro e cinema era
parte de uma geração que não via a televisão como uma finalidade.
— Nunca fui
pedir emprego na TV. Nunca precisei da televisão, nesse sentido. Porque o que
eu queria não estava ali, propriamente. Hoje em dia, a TV é muito mais
interessante.
Claro que havia grandes novelas. Quando entrei (“Roque
Santeiro”, 1985), já tinha feito teatro, cinema, eu estava inteira, e não me
sentia disposta a perder nenhum pedaço.
Em tempos turbulentos, ela, que superou um câncer diagnosticado
em 2002, busca para si algo tranquilo. Que envolve mais tempo com o parceiro,
com a família (é apaixonada pelos sobrinhos-netos, Olga e Joshua, que moram em
Mossoró), os amigos e Godot, o cão que está com ela há seis anos:
— Quero poucas coisas, mas quero o que importa — diz.
POR NANI RUBIN.
Patricia Pillar à vontade, em casa - Leo Aversa / Agência O Globo.
Patricia
Pillar durante gravação da minissérie onde Nascem os Fortes - Estevam Avellar /
Divulgação/TV Globo
Agência O
Globo.
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