As polêmicas transfusões de
sangue para retardar a velhice que são moda entre milionários nos EUA.
A
empresa Ambrosia, com laboratório na Califórnia e na Flórida, usa material de
bancos de sangues de hospitais especializados em trauma e cobra US$ 8 mil
O sangue dos mais jovens é capaz de rejuvenescer os
mais velhos? Milionários não apenas acreditam nessa hipótese, como estão
pagando por transfusões com esse fim nos Estados Unidos.
Quem está por trás dessa ideia com cara de
futurista e ares de ficção científica são empresas do Vale do Silício, o
coração da tecnologia na Califórnia.
E entre os adeptos da controvertida prática estaria
Peter Thiel, cofundador da empresa de pagamentos online PayPal. Especula-se que
ele gasta milhares de dólares com "sangue novo".
Mas para entender o que está acontecendo hoje
nesses laboratórios é preciso voltar ao passado.
Jesse
Karmazin fundou em 2016 a Ambrosia, que cobra US$ 8 mil para quem quer receber
plasma de pessoas mais jovens
Sangue novo
No século 19, um cientista francês chamado Paul
Bert fez uma descoberta ao mesmo tempo fascinante e espantosa.
Ele fez costurou duplas de roedores para que
compartilhassem o fluxo sanguíneo e pudesse observar o resultado.
Os camundongos mais velhos começaram a mostrar
sinais de rejuvenescimento: melhor memória, mais agilidade e uma cicatrização
mais rápida.
Muitos anos depois, pesquisadores de universidades
americanas como Harvard e Stanford decidiram dar prosseguimento aos estudos do
francês.
Testes
em ratos mostram promissores, mas acreditam que ainda é cedo demais para usar a
parabiose em humanos
A técnica, conhecida como parabiose ou união
fisiologia e anatômica de dois organismos, transformou-se na base de trabalho de
várias empresas na Califórnia que tentam replicar os efeitos rejuvenescedores
em humanos.
Mas ao mesmo tempo em que tentam revolucionar a
ciência, atraem controvérsia e muita discussão.
Teste clínico
Para o médico Jesse
Karmazin, o futuro é agora.
Em 2016, Karmazin, que é graduado pela Universidade
Stanford, fundou a Ambrosia, uma startup que investiga os efeitos do sangue de
pessoas mais jovens no combate de doenças ligadas ao envelhecimento.
"Acabamos de complementar o primeiro teste
clínico. Vamos fazer mais estudos, mas os resultados até agora são bons",
disse Karmazin à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
"Acreditamos que o tratamento é exitoso, que
reverte o envelhecimento e funciona para uma série de males associados com a
velhice, como doenças do coração, diabetes e Alzheimer", completa.
Do teste mencionado por Karmazin, participaram 150
pessoas com idade entre 35 e 80 anos, que pagaram US$ 8 mil (cerca de R$ 27
mil) cada uma pelo tratamento.
"Era uma transfusão simples", explica o
médico. "Recebemos o excesso de plasma de bancos de sangue, que têm muito.
Nós só usamos plasma, que é o fluido sanguíneo, sem as células", diz.
Ele explica que as pessoas vão à clínica - a
Ambrosia tem uma na Califórnia e outra na Flórida - e recebem o plasma jovem na
veia.
Qual é o limite
O que para o fundador da Ambrosia parece ser algo
simples desperta receio e dúvidas da comunidade científica.
"Para mim, fazer experimentos com pessoas
saudáveis e dar a elas plasma com a esperança de que possam viver mais é ir
pouco longe demais", afirma Eric Verdin, presidente do Instituto Buck de
Pesquisa sobre o Envelhecimento, também localizado no Vale do Silício.
Segundo ele, há muitos problemas associados ao
plasma, como vírus e outras coisas que ainda não conhecemos.
"Me preocupa que alguém de 40 ou 50 anos,
saudável, vai receber plasma de jovens", afirma Verdin.
O criador da
empresa Ambrosia esclarece que só faz transmissão de plasma
"Por que acha que as pessoas tiram seu próprio
sangue antes de entrar na sala de cirurgia para evitar um transfusão de sangue
alheio?", questiona.
"Eu não receberia sangue de outra pessoa, a
não ser que fosse uma situação de vida ou morte", enfatiza Verdin que,
além disso, critica a cobrança de US$ 8 mil para esse tipo de teste.
Alzheimer
A Ambrosia, contudo, não é a única a trabalhar com
transfusões de sangue de jovens para pessoas mais velhas.
"Há estudos e experimentos incrivelmente
importantes", reconhece Verdin, emendando que os estudos com roedores
estão muito avançados. "Até consigo aceitar que se extraia plasma de
pessoas jovens para dar a pacientes com Alzheimer severo, como faz a
Alkahest", exemplifica.
A empresa citada
por Verdin é outra startup, nascida em 2014 também na Califórnia.
Eric
Verdin (à dir.) é cético em relação às transfusões em pessoas que querem
retardar a velhice
Fundada pelos neurocientistas Tony Wyss-Coray e
Saul Villeda, a Alkahest acabou de concluir a primeira fase de um teste com 18
pessoas com Alzheimer que receberam dose semanal de plasma de doadores jovens
por quatro semanas.
Mas segundo um artigo da revista científica Nature,
de setembro de 2017, o teste é ainda pequeno demais para se falar em benefícios
clínicos, segundo Wyss-Coray.
O diretor-executivo da Alkahest, Karoly Nikolich,
também prefere a cautela ao falar do experimento, mas demonstra confiança.
Ainda que a empesa esteja analisando os dados e
prefira não tratá-los como finais, Nikolich disse à BBC que os pacientes
apresentaram melhores habilidades para desempenhar tarefas diárias básicas.
Também demonstraram sinais de estarem mais conscientes do ambiente que os
cercam e deles mesmos.
A
Alkahest, também uma startup do Vale do Silício, testa transfusões de sangue de
pessoas jovens em pacientes com demência
Para Verdin, os testes conduzidos pela Alkahest têm
mais fundamento que os da Ambrosia.
"Os pacientes (da Alkahest) estão com demência
e basicamente não há outro tratamento para eles."
Vampiros?
Para um pesquisador como Verdin, que há décadas
estuda a velhice, o surgimento dessas startups que prometem retardar o
envelhecimento e aumentar a expectativa de vida para além dos 100 anos é
perigoso.
Mas há quem não tema os eventuais riscos e efeitos
ainda desconhecidos.
O
cofundador da PayPal, Peter Thiel, já teria experessado em diferentes ocasiões
o interesse pela ideia
Multimilionários como Peter Thiel, da PayPal, foram
batizados de "vampiros" pelo interesse em transfusões de sangue de
pessoas mais jovens.
Ninguém nunca conseguiu confirmar que ele realmente
investe uma fortuna em plasma jovem, mas Thiel não esconde a fascinação com a
imortalidade.
Para Verdin, é esse o perigo: o surgimento de
visionários que buscam o elixir da juventude pode prejudicar as pesquisas
biomédicas tradicionais.
"A ideia da imortalidade é tão ridícula hoje
quanto era há cem, mil anos", opina.
Ainda que a busca pela vida eterna seja uma
aspiração humana, avalia Verdin, não há nenhum sinal de que a ciência esteja
perto de alcançá-la. "Nem mesmo o de aumentar em muito a expectativa de
vida."
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